quinta-feira, 28 de abril de 2011

A tal geração...

Vale a pena ler...
>

> - Então, foste à manifestação da geração à rasca?
>
> - Sim, claro.
>
> - Quais foram os teus motivos?
>
> - Acabei o curso e não arranjo emprego.
>
> - E tens respondido a anúncios?
>
> - Na realidade, não. Até porque de verão dá jeito: um gajo vai à
> praia, às esplanadas, as miúdas são giras e usam pouca roupa. Mas de
> inverno é uma chatice. Vê lá que ainda me sobra dinheiro da mesada que
> os meus pais me dão. Estou aborrecido.
>
> - Bom, mas então por que não respondes a anúncios de emprego?
>
> - Err...
>
> - Certo. Mudando a agulha: felizmente não houve incidentes.
>
> - É verdade, mas houve chatices.
>
> - Então?
>
> - Quando cheguei ao viaduto Duarte Pacheco já havia fila.
>
> - Seguramente gente que ia para as Amoreiras.
>
> - Nada disso. Jovens à rasca como eu. E gente menos jovem. Mas todos à
> rasca.
>
> - Hum... E estacionaste onde? No parque Eduardo VII?
>
> - Tás doido?! Um Audi TT cabrio dá muito nas vistas e aquela zona é
> manhosa. Não, tentei arranjar lugar no parque do Marquês. Mas estava
> cheio.
>
> - Cheio de...?
>
> - De carros de jovens à rasca como eu, claro. Que pergunta!
>
> - E...?
>
> - Estacionei no parque do El Corte Inglés. Pensei que se me
> despachasse cedo podia ir comprar umas coisinhas à loja gourmet.
>
> - E apanhaste o metro.
>
> - Nada disso. Estava em cima da hora e eu gosto de ser pontual.
> Apanhei um táxi. Não sem alguma dificuldade, porque havia mais jovens
> à rasca atrasados.
>
> - Ok. E chegaste à manif.
>
> - Sim, e nem vais acreditar.
>
> - Diz.
>
> - Entrevistaram-me em directo para a televisão.
>
> - Muito bom. O que disseste?
>
> - Que era licenciado e estava no desemprego. Que estava farto de pagar
> para as reformas dos outros.
>
> - Mas, se nunca trabalhaste, também não descontaste para a segurança social.
>
> - Não? Pois... não sei.
>
> - Deixa-me adivinhar: és licenciado em Estudos Marcianos.
>
> - F...-se! És bruxo, tu?
>
> - Palpite. E então, gritaste muito?
>
> - Nada. Estive o tempo todo ao telemóvel com um amigo que estava na
> manif do Porto. E enquanto isso ia enviando mensagens para o Facebook
> e o Twitter pelo iPhone e o Blackberry.
>
> - Mas isso não são aparelhinhos caros para quem está à rasca?
>
> - São as armas da luta. A idade da pedra já lá vai.
>
> - Bem visto.
>
> - Quiriquiri-quiriquiri-qui! Quiriquiri-quiriquiri-qui!
>
> - Calma, rapaz. Portanto despachaste-te cedo e ainda foste à loja gourmet.
>
> - Uma m....! A luta é alegria, de forma que continuámos a lutar Chiado
> acima, direitos ao Bairro Alto. Felizmente uma amiga, que é muito
> previdente, tinha reservado mesa.
>
> - Agora os tascos do Bairro aceitam reservas?
>
> - Chamas tasco ao Pap'Açorda?
>
> - Errr... E comeram bem?
>
> - Sim, sim. A luta é cansativa, requer energia. Mas o pior foi o
> vinho. Aquele cabernet sauvignon escorregava...
>
> - Não me digas que foste conduzir nesse estado.
>
> - Não. Ainda era cedo. Nunca ouviste dizer que a luta continua? E
> continuou em direcção ao Lux. Fomos de táxi. Quatro em cada um, porque
> é preciso poupar guito para o verão. Ah... a praia, as esplanadas, as
> miúdas giras e com pouca roupa...
>
> - Já não vou ao Lux há algum tempo, mas com a crise deve estar meio morto,
> não?
>
> - Qual quê! Estava à pinha. Muita malta à rasca.
>
> - E daí foste para casa.
>
> - Não. Apanhei um táxi para um hotel. Quatro estrelas, que a vida não
> está para luxos.
>
> - Bom, és um jovem consciente. Como tinhas bebido e...
>
> - Hã?! Tu passas-te! A verdade é que conheci uma camarada de luta e...
> bem... sabes como é.
>
> - Resolveram fazer um plenário?
>
> - Quê? Às vezes não te percebo.
>
> - Costuma acontecer. E ficaram de ver-se?
>
> - Ha! Ha! Ha! De ver-se, diz ele. Não estás a ver a cena. De manhã
> chegámos à conclusão que ela era bloquista e eu voto no Portas. Saiu
> porta fora. Acho que foi tomar o pequeno-almoço à Versailles.
>
> - Tu tomaste o teu no hotel.
>
> - Sim, mas mandei vir o room service, porque ainda estava meio ressacado.
>
> - Depois pagaste e...
>
> - A crédito, atenção. Com o cartão gold do Barclays.
>
> - ... rumaste a casa.
>
> - Sim, àquela hora a A5 não tinha trânsito. Já não havia malta à rasca
> a entupir o tráfego.
>
> - Moras onde? Paço d'Arcos? Parede?
>
> - Que horror! Não, não. Moro na Quinta da Marinha, numa casita modesta
> que os meus pais se vêem à rasca para pagar. Para a próxima levo-os
> comigo.

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